O CHAVELHITA



Foi durante muitas anos o ardina da Vila, tinha a sua banca junto à parede , entre o Cantinho do Marquês e o Monumental, ao lado da tabacaria do Mário, chefe dos serviços administrativos da Parodi e afilhado do dono da fábrica, o D. Angelo Parodi, personalidade de que falaremos noutra ocasião.

Baixo, rápido, cabelo branco e cheio de genica o Chavelhita foi uma imagem da Vila durante muitos anos, mais tarde passou a ter consigo o irmão, doente em resultado da passagem pela guerra colonial, mais alto do que o irmão, cabelo comprido. Voltou doente da guerra, nesse tempo dizia-se que estava passado ou flipado, hoje teria sido diagnosticado stress pós traumático, a guerra estava presente na frase que repetia incessantemente, “quem passa por elas é que sabe e as catanas eram bifes”.

Para a memória coletiva da vila ficou o dia 25 de Abril, soube dos acontecimentos de manhã, ainda que a data era esperada desde o golpe das Caldas. Mas as notícias chegavam devagar e durante algum tempo o Baía ainda foi o poderoso chefe da PIDE/DGS. A ansiedade era enorme, os jornais, os vespertinos que já traziam as notícias do golpe militar, se resistissem à procura antes da carrinha chegar ao fim do seu itinerário, chegariam, como de costume, ao princípio da noite, tempo necessário para os 300 km até Lisboa.

Quando os jornais chegavam, enrolados e com páginas velhas a servirem de embalagem, havia que os montar e arrumar na banca. O Chavelhita perdeu a paciência com tantos braços ansiosos, estendidos com moedas nas pontas dos dedos. Perdeu a paciência, foi para o meio da Praça Marquês de Pombal e atirou os jornais para o ar e foi-se em borra. Todos pagaram o jornal depois de recolhido na calçada e para muitos esta é a memória que marca 25 de Abril de 1974.